terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Escrivaninha

Querido João,

Acabei de arrumar a escrivaninha que me acompanha há tanto tempo. 
Mesmo sem uso, nossa velha Olivetti continua por aqui, cinza-claro na madeira marrom-escura. Coloquei nela uma folha. Branquinha e inocente, tal qual uma normalista. Assim ela ficará, acho. Sempre fui boba, sabes. Também sabes que de alguma forma estranha, nos últimos anos tem me tranquilizado olhá-la, essa quase peça de museu, enchendo-me de boas lembranças enquanto me entrego ao hábito da construção de palavras e frases e argumentos, agora sem utilizá-la para esses fins e começos. 
Deu-me mote para tantas elocubrações as coisas que mudam e as que nunca, João.  
Por exemplo, ainda continuo "datilografando" rápido, mas esse pouco barulho nas teclas do meu novo computador, escolhido por D. para a "velha", por ser capaz de armazenar as minhas tantas letras e fotos e histórias lá na sua memória (que deve ser bem melhor que a minha) acabam, com seu silêncio asséptico e tecnológico, por me inibir um pouco. Estarei com saudades dos tics, tacs e claps e vruns da nossa máquina de escrever? Eram esses barulhos que tornavam o processo de materialização das idéias mais perto, mais real? Ou estou dramatizando e apenas gosto das onomatopeias de forma geral?
Como disse, deu-me mote... 
Talvez a aposentadoria e a volta para casa, para nossa terra, depois de tantos anos, tenham me envelhecido mais do que eu supunha (olha o tempo, esse danado e suas implicações reaparecendo nesta missiva). Ou muito pelo contrário, por sentir-me jovem novamente, sinto falta das minhas idiossincracias de mocinha. Nunca somos tão cheio delas do que quando ainda. Ainda.
Mas falemos disso depois...
Prefiro, por enquanto, continuar lhe contando das arrumações delicadas aqui no escritório.
Os lápis foram apontados com esmero, as canetas que resolvem me falhar jogadas fora, os livros já me encaram de seu habitual lugar. Reconheci agorinha mesmo um Ariano me acenando. A querida Anaïs.  Reencontrei os conhecidos foi na estante, não na minha antiga rua, veja só que coisa, João!
O resto da casa continua um tanto quanto caótica, ouso confessar. Mais tarde talvez, depois de caminhar pela cidade que me tem de volta, olhando os ipês amarelinhos ventando em flor, resolva de uma vez por todas, findar com essas coisas todas tão fora de seus lugares. 
E eu, João?  Estarei  no lugar certo?

Da sempre sua, F.

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